Um Novo Rumo para o Capital Humano: Mãos que Constroem, Mentes que Inovam
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Repensar a estratégia de desenvolvimento Inclusivo de Moçambique (4)
Por António Souto *
Moçambique encontra-se diante de um dos maiores desafios da sua história contemporânea: transformar o seu potencial demográfico em desenvolvimento sustentável.
Com uma população estimada em cerca de 36 milhões de habitantes, dos quais a maioria é jovem — mais de 70% tem idade inferior a 30 anos —, o país vive uma verdadeira explosão juvenil.
Anualmente, aproximadamente meio milhão de jovens entram no mercado de trabalho, uma cifra que representa tanto uma oportunidade como um risco.
A juventude devidamente preparada e integrada pode ser o motor do progresso económico, social e cultural; porém, se negligenciada, pode tornar-se fonte de instabilidade social e política.
Mais do que uma estratégia, o que se exige hoje é uma visão clara e articuladora, que permita que o capital humano seja visto como o maior ativo nacional.
Trata-se de projetar caminhos que unam educação, formação profissional, inovação, finanças e setor produtivo num esforço comum para transformar a juventude em motor de desenvolvimento inclusivo.
A Diferença Entre Educação e Desenvolvimento de Capital Humano
A expansão do setor educativo tem sido uma prioridade dos governos moçambicanos nas últimas décadas.
No entanto, é fundamental compreender que educação, por si só, não equivale ao desenvolvimento de capital humano.
Enquanto a educação oferece uma base de conhecimento geral, o desenvolvimento de capital humano implica uma abordagem mais ampla e integrada, que abrange a aquisição de competências técnicas, profissionais, empreendedoras e sociais.
O verdadeiro desenvolvimento humano exige não só escolas e universidades, mas também centros de formação técnica, programas de capacitação contínua, orientação profissional e oportunidades de integração produtiva.
Um aspeto frequentemente negligenciado nos curricula escolares é a literacia económica e financeira.
O conhecimento prático sobre o que significa o dinheiro, como funciona a troca de mercadorias e serviços, como gerir um orçamento doméstico ou compreender o valor da poupança e do investimento, são competências básicas para a vida quotidiana e fundamentais para a cidadania económica.
Sem estas competências, os jovens entram no mercado sem noções elementares sobre como funcionam a economia e as finanças pessoais, limitando a sua autonomia e capacidade de iniciativa.
O Papel das Instituições Técnico-Profissionais
O défice de competências profissionais continua a ser uma das principais barreiras ao crescimento económico inclusivo em Moçambique.
Muitas empresas reportam dificuldade em encontrar trabalhadores qualificados, especialmente nas áreas técnicas, tecnológicas e de gestão.
Esta realidade é agravada pela insuficiência de instituições técnico-profissionais capacitadas e pela limitada oferta de cursos alinhados às necessidades do mercado de trabalho.
Apesar destas limitações, algumas instituições técnico-profissionais têm dado contributos importantes para a empregabilidade de jovens, formando eletricistas, mecânicos, canalizadores, soldadores, técnicos de informática e outros perfis muito procurados.
O desafio é ampliar estas experiências, dotar as escolas de melhores equipamentos, assegurar formadores competentes e, sobretudo, articular os currículos com as necessidades das empresas locais e nacionais.
Neste contexto, a digitalização tornou-se um elemento transversal em todos os setores.
A criação recente de um ministério dedicado à ciência, tecnologia e digitalização é um sinal de despertar da governação para os desafios da modernidade. Mas, o país ainda enfrenta um grande défice de professores e educadores técnicos preparados para transmitir competências digitais.
Desde noções básicas de literacia digital até especializações em programação, manutenção de sistemas e aplicação de tecnologias em setores como agricultura, indústria e comércio, há uma enorme lacuna entre a velocidade da transformação tecnológica e a capacidade do sistema formativo em responder.
Ensino Superior vs. Ensino Técnico-Profissional
Moçambique vive também um desequilíbrio preocupante entre a expansão do ensino superior e a estagnação do ensino técnico-profissional.
Atualmente, existem cerca de 60 universidades e instituições de ensino superior, públicas e privadas, muitas das quais produzem mestres e doutores em áreas diversas.
As redes sociais estão repletas de cerimónias de graduação de jovens com as suas vestes simbolizando sucesso nas suas graduações. Mas quando as empresas precisam de técnicos intermédios — soldadores, eletricistas, mestres de obras, canalizadores e outros profissionais práticos — recorrem frequentemente a trabalhadores estrangeiros, vindos do Zimbabué, África do Sul ou outros países.
Esta situação mostra um paradoxo: o país forma doutores sem perspetivas de emprego, muitos dos quais acabam por recorrer a atividades de baixo rendimento, enquanto falta investimento sério em escolas técnico-profissionais.
Em vez de todo o dinheiro que se aplicou em projetos como “um distrito, um banco” ou na multiplicação de instituições de ensino superior, teria sido mais racional multiplicar centenas de escolas técnicas bem equipadas, monitoradas e articuladas com o setor empresarial.
São estas que poderiam dar resposta imediata às necessidades do mercado de trabalho e reduzir a dependência de mão de obra estrangeira em funções críticas.
Capital Humano e Empreendedorismo
O desenvolvimento do capital humano não se limita à formação técnica ou académica.
Para que milhares de jovens possam criar os seus próprios negócios e transformar ideias em soluções inovadoras, é imprescindível o acesso a serviços financeiros adequados.
O financiamento é um dos principais obstáculos à emergência de start-ups juvenis, especialmente em regiões periféricas e rurais.
Sem instrumentos financeiros apropriados – como microcrédito produtivo, capital de risco, garantias bancárias e incentivos fiscais – a maioria dos jovens empreendedores vê-se impossibilitada de concretizar os seus projetos.
Aqui é que se torna essencial integrar as competências técnico-profissionais com programas de empreendedorismo juvenil.
Se os cursos práticos incluírem também módulos de inovação e a preparação de pitchs para novos negócios, cada jovem formado poderá não só procurar emprego, mas também criar micro, pequenas e médias empresas (MPMEs).
Este é o caminho para transformar capital humano em emprego produtivo, com efeito multiplicador para a economia nacional.
Exemplo Prático: O Programa Incubox2 na Região Norte de Moçambique
Um exemplo inspirador de integração entre formação e apoio financeiro é o programa Incubox2, lançado pelo Presidente da República e promovido pela Gapi na região Norte de Moçambique.
Este programa combina capacitação técnica, mentoria empresarial e financiamento inicial.
O Incubox2 oferece não apenas formação em áreas como gestão, tecnologia e inovação, mas também facilita o acesso a recursos financeiros e redes de contacto com investidores e parceiros estratégicos.
Os primeiros resultados demonstram o impacto positivo desta abordagem integrada: jovens formados e financiados conseguem criar negócios viáveis, gerar emprego local e contribuir para o desenvolvimento das comunidades.
Modelos como este, se replicados e ampliados, podem contribuir para uma resposta mais eficaz ao desafio de absorção da juventude no mercado de trabalho moçambicano.
O Incubox2 simboliza como capital humano pode ser cultivado para ter impacto real, ligando escolas técnicas, incubadoras e serviços financeiros.
Conclusão: Uma Visão de Articulação para o Futuro
Moçambique necessita urgentemente de uma visão abrangente para o desenvolvimento do seu capital humano, que vá além da simples expansão educativa.
Repensando as estratégias de desenvolvimento Inclusivo de Moçambique acreditamos em medidas no sentido de:
– Investir na diversificação e fortalecimento das instituições técnico-profissionais, garantindo qualidade e alinhamento com as necessidades do mercado.
– Promover programas de capacitação contínua, orientação profissional e integração produtiva dos jovens.
– Incluir literacia económica e financeira nos curricula escolares como competência básica de cidadania.
– Desenvolver mecanismos de apoio financeiro e incubação, facilitando o acesso ao crédito e ao capital para start-ups juvenis.
– Fomentar competências digitais em todos os níveis, garantindo professores e educadores técnicos preparados para acelerar a digitalização.
– Corrigir o desequilíbrio entre ensino superior e técnico-profissional, reorientando investimentos para multiplicar escolas técnicas monitoradas e integradas com o setor empresarial.
– Integrar competências práticas com empreendedorismo, permitindo que jovens não só procurem empregos mas também criem MPMEs sustentáveis.
– Replicar modelos de sucesso como o Incubox2, adaptando-os às especificidades regionais e locais.
Ao adotar uma visão integrada, Moçambique pode transformar o seu potencial demográfico em progresso económico e social, promovendo inclusão, inovação e estabilidade.
O futuro do país depende da capacidade de investir, de forma dinâmica e articulada, no capital humano, tornando assim a juventude protagonista do desenvolvimento nacional.
António Souto, economista
Publicado no Savana, edição 1656
