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Emprego, Inclusão e Desenvolvimento Rural: Para onde queremos ir?

Opinião

Emprego, Inclusão e Desenvolvimento Rural: Para onde queremos ir?

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Repensar a Estratégia de Desenvolvimento Inclusivo de Moçambique (02)

Por António Souto*

A decisão de escrever esta série nasceu de uma conversa intensa que mantive com o malogrado Professor Bernhard Weimer no final de 2024, quando o país atravessava uma grande agitação, em grande parte protagonizada pela juventude. Essa memória traz-me de volta à questão essencial: sem emprego para o meio milhão de jovens que anualmente atinge a idade laboral, Moçambique estará sempre exposto a potenciais focos de instabilidade social.

É, por isso, decisivo que a política de geração de emprego seja assumida como questão central. Os megaprojetos de energia ou de recursos naturais — como LNG Total, Cahora Bassa Norte, Mphanda Nkuwa ou Mozal — podem ser importantes, mas não bastam por si mesmos. Eles devem ser concebidos e avaliados não apenas como ícones de modernização ou fontes de receitas de exportação, mas como suporte à criação de empregos dignos e sustentáveis para a maioria dos moçambicanos.

Foi nesta linha que Ajay Banga, presidente do Banco Mundial, insistiu na sua recente entrevista à BBC pouco depois de visitar Moçambique sublinhando que o verdadeiro desafio do nosso tempo é a criação de empregos. E apontou pistas: energia como direito humano; pequenas e médias empresas (PMEs) como motor de trabalho; comércio intrarregional como oportunidade de crescimento; e tecnologias acessíveis, como a chamada “pequena inteligência artificial”, capazes de apoiar agricultores e serviços de saúde em contextos locais.

A pergunta que devemos colocar, no entanto, é: até que ponto Moçambique está preparado para transformar essas ideias em realidade?

Emprego como métrica central

Durante demasiado tempo, avaliámos o sucesso das políticas públicas pela quantidade de recursos desembolsados, pelos quilómetros de estradas inauguradas ou pelos megawatts adicionados à rede elétrica. Mas o indicador que realmente conta é outro: quantos empregos dignos e sustentáveis foram criados.

Num país onde o setor formal absorve menos de 5% dos jovens que todos os anos entram no mercado de trabalho, a ausência de empregos formais ameaça não apenas o desenvolvimento económico, mas também a coesão social e a estabilidade política.

Energia para o desenvolvimento produtivo

A visita recente de Ajay Banga a Moçambique centrou-se em Cahora Bassa e na mobilização de financiamento para expandir a capacidade energética. Sem dúvida, é um projeto de vulto. Mas a pergunta que se impõe é se essa nova energia vai apenas alimentar megaprojetos exportadores ou se será direcionada também para uso produtivo em PMEs, agricultura e serviços locais.

Uma estratégia de desenvolvimento coerente deveria assegurar que cada megawatt adicional seja também uma oportunidade de criação de pequenas indústrias, de oficinas periurbanas, de sistemas de frio agrícola ou de farmácias rurais. Caso contrário, a energia continuará a ser um recurso distante para a maioria da população.

Desenvolvimento rural e o novo paradigma agrícola

Banga recordou que África pode ser o celeiro do mundo. Em Moçambique, essa visão converge com o discurso recente do Ministro da Agricultura, Roberto Albino, que defende um novo paradigma de desenvolvimento rural: gerar empregos dignos e competitivos através do agronegócio, das agroindústrias e de PMEs rurais, em vez de perpetuar a agricultura de subsistência.

A dimensão demográfica torna este desafio ainda mais urgente: com cerca de meio milhão de jovens a atingir todos os anos a idade laboral, é no campo que se joga uma parte decisiva da estabilidade social e do futuro do país. Sem mais empregos dignos no campo, a migração descontrolada para centros urbanos sem empregos formais nem infraestruturas sanitárias gera a “bomba-relógio dos desesperados”.

Na última década, não se pode dizer que os investimentos agrícolas tenham sido capturados apenas por elites ou grupos empresariais. O que predominou foram recursos mal aplicados, como por exemplo e não só, o Sustenta a tornar-se um modelo negativo de desperdício de fundos com resultados questionáveis.

A resposta passa por investimentos em cadeias agroindustriais inclusivas, em que:

  • as PMEs rurais tenham acesso a energia, crédito e mercados;
  • as cooperativas ou associações comerciais de produtores consigam agregar produção e negociar melhor;
  • a juventude rural encontre oportunidades no agronegócio e na transformação local de produtos;
  • e a extensão agrária e a irrigação sejam tratadas como recursos e infraestruturas sociais básicas, indispensáveis para o desenvolvimento rural.

Inclusão financeira: infraestrutura invisível

Mais do que ouvir apenas as palavras do número 1 do Banco Mundial, interessa perceber de que maneira os programas e projetos que o Governo de Moçambique está a preparar com ou sem assistência internacional conseguem responder prioritariamente à urgência de geração de empregos.

Para isso, a inclusão financeira é condição indispensável. Sem crédito acessível, sem garantias adaptadas e sem instrumentos de seguro, nem o jovem empreendedor urbano nem o agricultor familiar conseguem transformar oportunidades em negócios viáveis.

O país já aprovou a Estratégia Nacional de Inclusão Financeira 2022–2030, mas a sua execução prática continua incerta. As instituições financeiras formais permanecem distantes da maioria da população, e os programas públicos de crédito do passado deixaram cicatrizes de má gestão e clientelismo.

Se queremos responder à pergunta “para onde queremos ir?”, a resposta passa necessariamente por um sistema financeiro mais diversificado e próximo, que funcione como infraestrutura de base do desenvolvimento — tal como a eletricidade, a estrada ou a escola. Para que a oferta e estrutura do sistema financeiro tenha impacto inclusivo é necessário a implementação de estratégias assentes no conceito de Value Chain Finance principalmente nos sectores agrícola e industrial. Mas isto é matéria que merece aprofundamento e trataremos em próximo artigo.

Reforma fiscal e ambiente empresarial

Na entrevista que estamos a citar e em vários outros documentos de orientação estratégica de organismos internacionais sublinha-se que muitos países em desenvolvimento precisam de alargar a base fiscal em vez de apenas aumentar taxas. Essa é também uma questão premente em Moçambique.

A Confederação das Associações Empresariais (CTA) tem sinalizado que está a preparar propostas nesse sentido: trazer mais agentes económicos para a formalidade, simplificar procedimentos, e evitar que o sistema fiscal funcione como barreira à emergência de pequenas e médias empresas.

Um Estado que queira ser promotor de emprego não pode limitar-se a cobrar impostos; precisa de criar um ambiente em que os empreendedores sintam que a formalização é uma oportunidade, e não uma penalização.

Para onde queremos ir?

As ideias de Banga só fazem sentido em Moçambique se os dirigentes nacionais e os gestores das instituições de financiamento multilateral ou bilateral conseguirem lê-las à luz da questão central: para onde queremos ir como país?

  • Queremos continuar a medir progresso por megaprojetos, ou por empregos reais criados para jovens e mulheres?
  • Queremos energia para exportação, ou energia como suporte à vida produtiva de PMEs e comunidades?
  • Queremos um campo condenado à agricultura de subsistência, ou um espaço de agronegócio inclusivo e competitivo?
  • Queremos um fisco que castiga pequenos negócios, ou um sistema que formaliza e multiplica empreendedores?

Conclusão

O futuro de Moçambique não será definido apenas por discursos internacionais nem por estratégias formais, mas pelas escolhas precisas que fizermos agora.

  • Se o emprego não for a métrica central, continuaremos a acumular frustração social.
  • Se a energia não servir os pequenos, ficará como símbolo distante.
  • Se o desenvolvimento rural não gerar empregos dignos, a pressão demográfica transformará as cidades em epicentros de exclusão e revolta.
  • Se a inclusão financeira e a reforma fiscal não forem levadas a sério, o empreendedorismo continuará a ser retórico.

A resposta não pode ser adiada. Porque cada ano em que meio milhão de jovens entram no mercado de trabalho sem perspetivas dignas é um ano em que cresce a bomba-relógio dos desesperados. Os megaprojetos são necessários, sim, mas apenas como plataformas de suporte a uma política nacional que coloque a geração de emprego no centro.

Publicado no Savana, edição 1654.

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