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Homenagem ao Professor Bernhard Weimer

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Homenagem ao Professor Bernhard Weimer

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Por João Z. Carrilho

Consternado recebi a notícia do passamento do Professor Bernhard Weimer. Tínhamos interesses comuns. Víamos Moçambique como país diverso, mas unitário. Com longa história, mas rápidas mudanças. Com uma maioria de população rural, mas em rápida urbanização. Com muita terra e recursos naturais, mas em grande parte adormecidos. Com maioria de população pobre. O nosso ponto de encontro foi sempre o tema da descentralização. Em que o cidadão pudesse participar com responsabilidade e criatividade na construção do seu futuro, estando ou não filiado em organizações políticas ou económicas registadas.

Com ele colaborei num trabalho que estava a desenvolver. O Professor Weimer foi generoso e insistiu em colocar o meu nome junto ao seu, no espaço reservado a autores. Uma maneira de celebrar a nossa colaboração e amizade foi reler o trabalho, agora em forma de livro. Publicado pelo IESE em 2017, faz, por isso, quase uma década. Apesar das mudanças ocorridas, é amplamente atual, tanto para leitores especializados, como para pessoas que pretendam fazer uma revisão sobre quadros de análise de política económica e seus conceitos fundamentais. O leitor compreenderá porque optámos por um quadro de análise de poder e mudanças. A sua tese principal é que a descentralização, em vez de ser abordada como um mecanismo de penetração destinada a servir a centralização, deve ter como finalidade responder às necessidades e anseios dos cidadãos, prestando os serviços necessários e ansiados, com eficiente alocação de recursos e equitativa distribuição dos benefícios, nas condições adaptadas a cada lugar do país de oitocentos mil quilómetros quadrados e população que cresce acima dos trinta e cinco milhões de habitantes.

Não cabe, nesta homenagem, fazer o resumo do livro e das suas principais teses. O Professor Severino Ngoenha prefaciou o livro com a mestria que lhe é característica. Pretendo tão só realçar que, em geral, até agora tem sustentado o teste do tempo. Pretendo também, de forma breve referir algumas das lições que mais me marcaram nas dezenas de horas de conversa e escrita e que fui destilando nestes anos.

1. As finalidades da descentralização podem ser diversas, mas devem ser orientadas a unir e não a fragmentar. A descentralização não é uma panaceia. Não resolve todos os problemas, menos ainda se as entidades descentralizadas não tiverem um cimento comum. Além disso, o país não existe no vazio: tem países vizinhos, participa de um “mercado” mundial de materiais, produtos e ideias. A territorialização do país depende da territorialização local.

2. Todas as dimensões do quadro de análise são dinâmicas, incluindo os factores fundamentais da história, geografia, sistema político e forças políticas, económicas e sociais. Ocorrem também mudanças nas regras de jogo formais e informais, no “aqui e agora” e no quadro de atores da economia política. O importante é não perder de vista a finalidade de desenvolvimento participativo, inclusivo e responsável dos cidadãos e consolidar todos os avanços alcançados, por pequenos que sejam. A homogeneização, partidarização, oligarquização e centralização, a diminuição das vozes quotidianas que consubstanciam e resultam da infrapolítica podem levar a uma descentralização oportunista, que desvirtua a motivação principal, de criação de uma vida que valha a pena viver em cada lugar.

3. O processo de descentralização gera boas e más tradições de gestão de recursos e distribuição de benefícios. Mal conduzido, pode servir para consolidar a “tradição” de que o ganhador proporcional ganha tudo, fechando a porta à inclusão, atrasando o processo sempre que conveniente sob a capa da necessidade de gradualismo. Mal conduzido, infeta da mesma doença os diversos atores a todos os níveis, incluindo os atores que pretendem promover visões alternativas ou opostas de administração do desenvolvimento. Pode mesmo, em última instância, conduzir à retalhação do país.

4. As diferenças entre lugares – sua história e geografia, suas regras de jogo informais e a aplicação local de regas de jogo formais, seus atores e suas alianças – precisam de ser respeitadas. Assim se construirá um país capaz de converter a diversidade em força. Capaz de usar bem a terra e viver em paz.

Termino esta homenagem relatando um pequeno episódio. No nosso último encontro, antes do final de 2024, no Jardim dos Professores, conversávamos sobre critérios para se considerar organizado um assentamento populacional. Apoiados na capacidade de sistematização teórica e prática do Professor Weimer, a partir dos exemplos concretos de Mucatine e Bobole, chegámos a uma narrativa provisória: “se for possível chamar de longe um táxi ou alguém e esse táxi ou pessoa for capaz de chegar ao lugar que lhe indicarmos com um mínimo de paragens de pedidos de informação, então esse lugar está organizado – ou, pelo menos, não é caótico”. Porque isso será o sinal de que as pessoas têm uma identidade com o lugar, são recetivas a “vientes” e têm confiança em si mesmas. Deixámos para um futuro encontro a discussão sobre legitimidade das autoridades locais e sobre a dinâmica das alianças temporárias entre forças políticas locais. Esse encontro não mais irá ocorrer.

Bem-haja, Professor Bernhard Weimer. As suas lições ficam connosco.

Publicado pelo Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), o livro “Economia Política” oferece uma análise profunda sobre o desenvolvimento socioeconómico de Moçambique. Leia a obra completa aqui: IESE – Economia Política.

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