Do “Donativo” à Parceria: O Novo Paradigma da Ajuda ao Desenvolvimento e o Desafio para Moçambique
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Este artigo é a continuação do primeiro texto publicado neste mesmo site, intitulado “Do Consenso de Monterrey ao Compromisso de Sevilha: Um Novo Rumo para o Desenvolvimento de Moçambique”. Agora, nesta segunda parte — “Do ‘Donativo’ à Parceria: O Novo Paradigma da Ajuda ao Desenvolvimento e o Desafio para Moçambique” — aprofunda-se a reflexão sobre as mudanças globais na cooperação internacional e os desafios que Moçambique enfrenta ao transitar de uma lógica de dependência para uma abordagem de parceria estratégica e sustentável. Nas próximas semanas, serão publicados mais dois textos que complementam esta análise, propondo soluções práticas, exemplos locais e recomendações estratégicas para reforçar a autonomia e o impacto da cooperação internacional no país.
Do “Donativo” à Parceria: O Novo Paradigma da Ajuda ao Desenvolvimento e o Desafio para Moçambique
Moçambique, como muitos outros países africanos, construiu grande parte do seu percurso de desenvolvimento nas últimas décadas com o apoio da ajuda externa vinda de diferentes parceiros: Estados Unidos, União Europeia, países nórdicos, agências das Nações Unidas, instituições multilaterais, entre outros.
Essa ajuda tem sido decisiva em áreas fundamentais como saúde, educação, infraestruturas, segurança alimentar e, mais recentemente, combate às alterações climáticas. Mas este modelo — baseado numa relação doador-beneficiário — está a sofrer uma transformação profunda em todo o mundo.
A pergunta que se impõe hoje é: como pode Moçambique adaptar-se a esta nova era em que a ajuda está a diminuir e as expectativas estão a mudar?
Um Novo Tempo para a Cooperação Internacional
A coincidência não podia ser mais simbólica: enquanto líderes mundiais reuniam-se em Sevilha na 4ª Conferência sobre Financiamento para o Desenvolvimento para debater um novo quadro global de financiamento, os Estados Unidos anunciavam formal e oficialmente o encerramento da USAID e o lançamento de uma nova estratégia denominada “Making Foreign Aid Great Again”.
Mas esta mudança não é um caso temporalmente isolado. Vários parceiros europeus, historicamente entre os maiores financiadores do desenvolvimento em África, estão desde há tempos a:
- Reduzir os seus orçamentos de ajuda pública ao desenvolvimento;
- Rever prioridades, exigindo mais impacto, mais transparência e maior participação do setor privado;
- Condicionar os apoios a compromissos ambientais, direitos humanos e governação democrática.
O mundo caminha rapidamente para um modelo em que o “donativo” sem exigências está a dar lugar a “parcerias baseadas em resultados”.
As Novas Regras do Jogo
Os países doadores estão a dizer, cada vez mais abertamente:
- Não basta ajudar; é preciso ter retorno, seja em termos geopolíticos, comerciais ou de estabilidade global;
- Os países beneficiários devem demonstrar capacidade própria para gerir recursos, mobilizar investimento interno e promover crescimento sustentável;
- As ajudas devem ser temporárias, catalisadoras e não permanentes ou geradoras de dependência.
É dentro deste novo quadro que Moçambique deve refletir sobre o seu posicionamento internacional.
Moçambique: De Beneficiário a Parceiro
Para continuar a atrair apoio externo e — sobretudo — para se afirmar como destino de investimento sustentável, Moçambique precisa de dar passos decisivos em três direções:
- Reforçar a boa governação, particularmente nas instituições financeiras públicas e empresas paraestatais, para garantir transparência, eficiência e prestação de contas.
- Apostar em modelos de financiamento misto, combinando recursos públicos, privados e internacionais, com foco em setores estratégicos como agricultura, energias renováveis, industrialização ligeira e digitalização.
- Investir em instituições nacionais sólidas e inovadoras, capazes de transformar fundos em resultados concretos para a economia real e para as populações.
O Exemplo da Gapi-Sociedade de Investimentos
Felizmente, Moçambique tem bases sólidas sobre as quais pode construir esta transição. A Gapi-Sociedade de Investimentos é uma dessas instituições de referência que ao longo de mais de três décadas tem vindo a:
- Promover o empreendedorismo e o investimento em pequenas e médias empresas;
- Apoiar o desenvolvimento rural e a inclusão financeira;
- Criar soluções inovadoras para financiamento produtivo;
- Adoptar uma metodologia de intervenção holística centrada no empreendedor combinando capacitação, financiamento e desenvolvimento institucional.
A credibilidade da Gapi resulta não apenas da sua missão social, mas também da sua governação responsável e da capacidade de produzir impacto tangível, valores que hoje se tornaram essenciais para mobilizar qualquer tipo de apoio externo.
Uma Viragem Global com Reflexos Locais
A coincidência entre o encerramento da USAID e a realização da 4ª Cimeira sobre Financiamento para o Desenvolvimento revela uma verdade maior: o mundo da cooperação internacional está em transformação.
A era das ajudas incondicionais está a chegar ao fim. O futuro será feito de parcerias baseadas em confiança mútua, boa governação, investimentos de impacto e valorização do capital humano local. Moçambique deve preparar-se para esta nova realidade, não como uma vítima da mudança, mas como protagonista de um novo pacto de desenvolvimento — com instituições robustas, capacidade de atrair investimento e foco na transformação económica inclusiva

