Moçambique e o Novo Pacto Global para o Desenvolvimento
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Por António Souto (Economista)
Editorial: Moçambique e o Novo Pacto Global para o Desenvolvimento — Hora de Romper com a Dependência e Assumir o Protagonismo
Vivemos tempos de mudança profunda no panorama global do financiamento ao desenvolvimento. As grandes potências, as instituições multilaterais e os próprios países em desenvolvimento estão a reconhecer que o modelo tradicional de ajuda externa, tal como o conhecemos, chegou ao seu limite.
As recentes decisões de vários governos, incluindo o encerramento da USAID pelos Estados Unidos da América e o lançamento de uma nova estratégia focada em parcerias e investimentos sustentáveis, refletem uma transformação global inevitável. Ao mesmo tempo, a 4ª Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento, realizada em Sevilha entre os dias 30 de Junho e 3 de Julho, reforçou o consenso de que é urgente repensar o modo como os países menos desenvolvidos financiam o seu crescimento e asseguram o bem-estar das suas populações.
Este momento global exige de Moçambique uma reflexão profunda.
Durante décadas, o modelo de dependência da ajuda externa não produziu apenas avanços. Se é certo que permitiu construir escolas, hospitais e infraestruturas essenciais, também é verdade que alimentou uma verdadeira “indústria da cooperação”, tanto nos países doadores como nos países receptores. Esta indústria, marcada por lógicas burocráticas, por agendas frequentemente alheias às prioridades locais e por uma falta de foco no impacto real, perpetuou dinâmicas de ineficiência, corrupção e dependência crónica.
Muitos dos fundos canalizados para Moçambique e para outros países menos desenvolvidos sustentaram elites, financiaram organizações distantes das realidades das comunidades e minaram as instituições nacionais, enfraquecendo a sua capacidade de liderar o próprio processo de desenvolvimento. A crítica a este sistema não é nova, mas ganhou força recentemente com declarações oficiais tanto do Governo dos Estados Unidos como da Comissão Económica para África, que denunciam o desalinhamento entre o sistema financeiro global e as reais necessidades dos países em desenvolvimento.
Perante este cenário, Moçambique não pode mais ser apenas um recetor passivo de ajuda. É imperativo adotar um novo posicionamento — de parceiro, de protagonista e de gestor responsável do seu próprio futuro.
Esse novo caminho exige:
· Instituições nacionais fortes, credíveis e bem governadas;
· Capacidade de mobilizar recursos internos e externos de forma inovadora e eficiente;
· Foco na economia real e na inclusão social para criar emprego e oportunidades para todos os moçambicanos;
· Alianças internacionais que sejam parcerias genuínas, e não relações de dependência.
Para refletir sobre estes desafios e sobre as oportunidades que se abrem para Moçambique neste novo contexto global, elaborámos uma série de quatro artigos temáticos, a serem publicados separadamente:
1. Do Consenso de Monterrey ao Compromisso de Sevilha: Uma análise das novas orientações internacionais para o financiamento do desenvolvimento e o que significam para Moçambique.
2. Do “Donativo” à Parceria: Um olhar sobre as mudanças nos países doadores e o desafio de reposicionar Moçambique como parceiro credível e atrativo para o investimento sustentável.
3. O Papel das Instituições Financeiras de Desenvolvimento: A importância de reforçar instituições nacionais como a Gapi para impulsionar o crescimento inclusivo.
4. Um Pacto Nacional para o Desenvolvimento Sustentável: Um apelo à mobilização de todos os setores da sociedade para um compromisso coletivo com o desenvolvimento transformador.
É tempo de Moçambique olhar para dentro, valorizar as suas próprias capacidades e construir um Pacto Nacional para o Desenvolvimento Sustentável que lhe permita romper definitivamente com a dependência e conquistar um lugar digno e ativo na nova ordem global.
