Um banco de desenvolvimento: promessa política ou solução estratégica?
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O debate sobre a criação de um banco de desenvolvimento em Moçambique, relançado com vigor pelo novo Governo, é legítimo e necessário. Mas é também complexo — e não pode ser tratado apenas como uma promessa política, nem como uma fórmula mágica. Exige clareza de objectivos, análise institucional rigorosa e respeito pelo que o país já construiu, com esforço e resiliência.
A pergunta central não é se Moçambique precisa de um banco de desenvolvimento. A pergunta certa é: precisa para quê? E a partir de que meios, com que instituições, e com que grau de responsabilidade? Antes de se definir o “como”, é preciso entender o “para quê”.
Criar uma nova instituição financeira de raiz, com a ambição de ser um instrumento central de desenvolvimento, implica riscos elevados — sobretudo num país com um Estado ainda frágil, com experiências passadas de excessiva e contraproducente interferência política, crédito mal recuperado e projectos mal monitorados. A experiência do BPD, frequentemente citada de forma simplista, deve ser analisada com mais profundidade: foi um banco criado num contexto histórico adverso. O simplismo sobre parte do que tem sido dito acerca do BPD deriva de bias ideológicos e ignorância histórica.
Numa reflexão sobre os problemas que estava a enfrentar no financiamento de pequenas e novas empresas, nos finais da década de 1980, o Governo e a administração do BPD optaram por participar na conversão de um projecto apoiado pela Alemanha para apoio a pequenas empresas – Gabinete de Apoio a Pequenas Indústrias (GAPI) -para o transformar numa sociedade financeira moçambicana, a Gapi-SI que se especializasse no sector empresarial de pequena e média dimensão. Surgiu uma nova instituição, mas a partir de uma base de conhecimento e experiência reconhecida. E essa Gapi tornou-se uma das poucas instituições nacionais que, ao longo de décadas, tem conseguido manter um foco consistente nas micro, pequenas e médias empresas (MPMEs).
Mais do que se focar demasiado na criação de novas estruturas, talvez o que o país precisa é de priorizar a consolidação e reforço das que já existem e funcionam. A Gapi-SI tem uma rede territorial já implementada, uma cultura institucional própria e um histórico de acção no financiamento de empreendedores, cooperativas e programas públicos. O seu reforço não é contraditório com o projecto de um banco estatal de desenvolvimento. Uma coisa é um banco 100% estatal de desenvolvimento para operar como instituição de “segundo piso”, outra é uma instituição financeira de desenvolvimento de “primeiro piso” ou de “retalho”, ou seja, flexível e abrangente com proximidade para eficientemente responder ao “para quê”. E esse para quê deve ser o de criar empreendedores e MPMEs eficientes, sustentáveis e geradoras de muitos milhares de empregos. Por isso, considero recomendável definir prioridades, racionalizar recursos e criar soluções mais próximas do terreno.
Esse reforço, no entanto, deve ser feito sem comprometer a sua natureza híbrida e a sua independência funcional. O que torna uma instituição financeira relevante para o desenvolvimento não é a sua posse estatal, mas sim a forma como gere fundos públicos com transparência, impacto e responsabilidade.
Moçambique não precisa de mais promessas: precisa de decisões fundamentadas, ajustadas à realidade e capazes de mobilizar os recursos e competências já existentes para atacar com urgência os problemas mais prementes da falta de emprego e do incipiente sector empresarial.
Este editorial é um resumo da visão do Economista António Souto reflectida numa entrevista à Carta de Moçambique que pode ser lida aqui.