Repensar a arquitectura de financiamento global e impulsionar a Agenda 2030
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– “Compromisso de Sevilha” aprovado por 192 países
A 4ª Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento (FFD4) da ONU, que decorreu em Sevilha entre o dia 30 de Junho e 3 de Julho, foi um momento crucial para repensar a arquitetura de financiamento global e impulsionar a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. A sessão de abertura contou com a presença de 60 líderes mundiais. Moçambique fez-se representar ao mais alto nível, tendo o Presidente da República, Daniel Chapo participado no evento.
Apesar de um contexto geopolítico complexo e da ausência dos Estados Unidos nas negociações do documento final, o “Compromisso de Sevilha” foi adotado por mais de 190 países, estabelecendo um roteiro para o combate à pobreza na próxima década e lançando as bases para 130 iniciativas com esse objetivo. A
Nos trabalhos da conferência participaram cerca de 4.000 representantes da sociedade civil que debateram os desafios para tentar relançar a ajuda ao desenvolvimento, que tem atualmente um défice de quatro triliões de dólares anuais, segundo a ONU.
Principais Aspectos e Propostas
A conferência teve como foco principal a mobilização de recursos para preencher o défice anual de cerca de 4 triliões (4*10^12) de dólares necessários para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que estão atrasados em dois terços das suas metas. Os debates e propostas giraram em torno de:
- Reforma da Arquitetura Financeira Internacional: Foi amplamente reconhecida a necessidade de reformar o sistema financeiro internacional, considerado obsoleto e disfuncional. Buscou-se maior participação e peso dos países em desenvolvimento nessa nova arquitetura.
- Alívio da Dívida Pública: Um dos pontos mais críticos foi o peso da dívida pública nos países em desenvolvimento. Foi lançada uma aliança de países e bancos multilaterais para a suspensão temporária de dívidas públicas, visando dar mais capacidade econômica e financeira a esses países para agirem em situações de crise. Atualmente, 54 países gastam 10% ou mais de suas receitas tributárias para pagar juros da dívida, um fardo que dobrou na última década.
- Mobilização de Financiamento Privado: A conferência destacou a necessidade de atrair e envolver o setor privado nos investimentos para o desenvolvimento. No entanto, houve um alerta para que o setor privado não sirva de álibi para a inação governamental. A criação de novos quadros legais e mais transparentes para o investimento privado foi enfatizada.
- Justiça Fiscal e Combate à Evasão Fiscal: António Guterres, Secretário-Geral da ONU, apelou para o reforço dos sistemas tributários e o combate à corrupção e evasão fiscal nos países em desenvolvimento, para que estes possam gerar mais recursos internos.
- Aumento da Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD): Guterres também apelou à duplicação da ajuda ao desenvolvimento, ressaltando que o financiamento é o motor do desenvolvimento e que, atualmente, esse motor está “afogando-se”. A redução da APD por alguns países ricos, como os EUA, foi criticada.
- Financiamento Integrado para os ODS: O “Compromisso de Sevilha” visa mobilizar 4 triliões de dólares para países em desenvolvimento, com foco em áreas como acesso a alimentos e água, proteção social resiliente ao clima e agricultura familiar.
Novas Ideias e Iniciativas
Algumas propostas inovadoras surgiram durante a conferência, com destaque para:
- Imposto Robin Hood (ou Imposto Verde): Uma coligação de oito países, incluindo França e Espanha, propôs a criação de um “imposto verde” sobre viagens aéreas premium (jatinhos) e navios de cruzeiro, com a estimativa de arrecadar milhões para financiar ações climáticas em nações pobres.
- Registro Único de Dívida: A criação de um registo único de dívida foi sugerida para aumentar a transparência nas finanças internacionais.
- Financiamento Inovador: A necessidade de financiamento inovador deixou de ser uma opção e passou a ser uma necessidade, sublinhando a busca por fontes alternativas e criativas de recursos.
Desafios e Perspectivas Futuras
Apesar dos avanços e do “Compromisso de Sevilha”, persistem desafios significativos:
- Contexto Geopolítico: A conferência ocorreu em um cenário geopolítico complexo e com tensões no multilateralismo, o que dificultou o consenso em alguns pontos, como a ausência dos EUA no Compromisso de Sevilha.
- Relutância dos Países Ricos: A Oxfam, por exemplo, criticou a relutância dos países ricos em assumir responsabilidades diante da crise da dívida, contrastando com a ousadia de países como Brasil, África do Sul, Espanha e Chile em propor soluções.
- Implementação Efetiva: O “Compromisso de Sevilha” é um documento não vinculativo, o que significa que o seu sucesso dependerá da vontade política e da capacidade de implementação dos países signatários.
A Conferência de Sevilha encerra com a esperança de que os governos consigam traduzir os compromissos em ações concretas para que as finanças se tornem um instrumento de paz e dignidade para todos, especialmente para os países menos desenvolvidos, como Moçambique.
O economista António Souto, editor da plataforma F4SD acompanhou virtualmente vários momentos deste evento e nos próximos dias apresentará aqui mais detalhes sobre a relevância deste evento para Moçambique.